“Santa Giustina é o início da saga da família Mezzomo, em 1876, por seu avô João, atraído pela propaganda de doação de terras feita pelo Império brasileiro. O primeiro destino foi Erechim, no Rio Grande do Sul, onde Seu Ângelo nasceu, mas em 1937 a família tomou o rumo de Caçador e pouco depois Videira (SC), fixando-se no distrito, hoje município catarinense de Iomerê.
Da mesma forma como Dom Pedro buscara, no século XIX, imigrantes europeus para colonizar o sul brasileiro, o episódio se repetiria no início da década 50 do século seguinte, desta vez na ditadura do governo Getúlio Vargas. O eldorado estava no Paraná, ao norte, com pioneiros paulistas e mineiros, e ao oeste e sudoeste, aos milhares, gaúchos e catarinenses desbravaram, colonizaram, progrediram e transformaram essas regiões fazendo calos nas mãos.
Acordar cedo e entrar no batente está no sangue de Seu Ângelo, injetado pelo pai Fioravante e pela mãe Dozolina Dambrós. Sangue que aflorou no rosto do seu pai, quando ele ousou fazer sugestões para melhorar os negócios. Ofendido, ralhou o filho petulante. Disposto a fazer a vida, em 1951, com o irmão mais velho, Virgílio, hoje com 91 anos, Seu Ângelo chegou de mala e cuia na comunidade de Santa Terezinha, em Coronel Vivida. Vislumbrou meia dúzia de casas plantadas às sombras de imensos pinheirais. Assim como em outros municípios da região, “Coronel”, como ainda hoje é carinhosamente chamada, era povoado por safristas que engordavam porcos e depois percorriam longos trajetos para comercializá-los. O nome da cidade é uma homenagem ao Coronel Firmino Teixeira Baptista, primeiro prefeito de Palmas, cujo apelido era Coronel Vivida.
Os irmãos Ângelo e Virgílio arriscaram a sorte como safristas e viram o negócio prosperar, mas quase que a convocação do Exército para servir a Pátria o atrapalha. Treze meses depois retornou para trabalhar com o irmão. Se deram bem. “Compramos 160 alqueires de terra e 150 animais”. O seu estilo voluntarioso contrastava com o cauteloso Virgílio e resolveram desfazer a sociedade. Os conflitos por questões de terra na região levariam, em outubro de 1957, ao chamado “Levante dos Posseiros”. Os chumbos da época, porém, não ricochetearam em Seu Ângelo que seguia em frente com seus negócios no comércio de suínos e adquiriu 70 alqueires na Fazenda Santa Terezinha, a 25 km de Coronel Vivida. Para diversificar as atividades na propriedade, comprou 10 vacas e 10 bois. Em 1962, vendia uma média de 2.000 porcos por safra. Na década de 70, foi um dos pioneiros no plantio de soja na região. Além disso, decidiu investir na engorda de bois. A visão empreendedora de Mezzomo só aumentou a rentabilidade da propriedade.
Aos poucos foi comprando os terrenos vizinhos e passou a criar o gado pelo sistema de semi-confinamento. “Fiz mais de 30 compras de terreno”, declara. Hoje, somente a Fazenda Santa Terezinha abrange 500 alqueires. As suas propriedades somam outros 1500 alqueires e o rebanho bovino 2,5 mil cabeças. “Foram 20 anos de luta e aprendizado”, resume. Suas habilidades nos negócios e a marca de quem sempre gostou de “sarna pra se coçar” deu-lhe prestígio desde cedo entre os moradores de “Coronel”. O pulo para a política foi rápido. Em 1964 assumiu como vereador uma cadeira na Câmara do município. “Ao contrário de hoje, era um cargo de honra, que não tinha salário”, lembra. Mesmo com cargo público, não deixou suas atividades no campo. Na época, se reunia uma vez por semana com o prefeito para definir as ações da administração municipal. A carreira política não parou por aí. Em 1969, foi eleito como o quarto prefeito de Coronel Vivida, posto ocupado por dois mandatos. “Foi uma escola e uma grande oportunidade para mim. Nas décadas de 50 e início dos anos 60 as terras no sudoeste eram disputadas na bala, conflitos que só seriam resolvidos a partir de 1962 com a criação do Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste (GETSOP). Esse grupo foi chefiado pelo ex-ministro Deni Schwartz, que hoje é agricultor em Nova Prata. O povoamento de Coronel como os demais municípios da região evoluiu das bordas para o centro e a ocupação das terras virgens trazia também, como hoje ocorre no Norte do país, grileiros e jagunços.
O aposentado catarinense Davi Stédile conta que chegou a Coronel em 1948.”, conta. “Tinha entrevero muito grande por aqui”, relata. Ele e mais cinco irmãos abriram o maior armazém da cidade. No local, vendia-se tudo, no famoso “secos e molhados”. Fiado não tinha vez na “bodega” dos irmãos, a principal moeda era a troca. “Se o cliente não tinha dinheiro, pagava com porco, galinha, pato, milho, mandioca, batata”, conta. Casado há 56 anos com a gaúcha Joanina Josefina, Stédile disse que a vida era difícil naquela época, mas sente saudades. Orgulhosa, a esposa conta que o pai, Giácomo Bernadi, instalou o primeiro cinema na cidade em 1954. Ele enche os olhos de lágrimas ao recordar que ao iniciar os estudos, em Caçador (SC), quando o primeiro professor respondia a dificuldade no aprendizado com palmadas, castigos e o uso sistemático de uma vara estrategicamente disposta ao lado do quadro-negro. “O professor me humilhava o tempo todo e não foram poucas as vezes que tive de me ajoelhar no milho”, lembra ele, “com medo do professor eu mal sabia escrever a letra ‘o’. Só voltou a sentar no banco da escola aos 11 anos, quando sentiu a necessidade de aprender a fazer contas para ajudar no trabalho da família.
Desta vez em Iomerê (SC), onde encontrou um professor que o incentivou a continuar os estudos. “O professor me elogiava e dizia que eu era muito esperto. Novamente senti vontade de estudar”, relata. O batente lhe obrigou a estudar apenas até a 4.ª série do antigo primário, a vida lhe proporcionou o resto do aprendizado. As más recordações da infância na escola contribuíram para que adotasse a educação como carro-chefe do seu primeiro mandato como prefeito de Coronel Vivida, em 1969. Durante o período de quatro anos foram criadas 91 escolas no município a maioria no campo. Além de incentivar a educação, proibiu o uso de varas em sala de aula. Para erradicar esse método de punição contra os alunos, convocou uma reunião com todos os educadores no primeiro mês do seu mandato e determinou que todas as varas fossem retiradas das escolas. No período, fez questão de visitar e inspecionar escola por escola. “Com êxito consegui eliminar essa prática de humilhação ao aluno”, orgulha-se.
Enquanto foi prefeito incentivou a propagação da matemática. Na sua avaliação é a disciplina mais importante para o dia a dia. “Através da matemática podemos ter o controle da nossa vida, o quanto ganhamos e o que gastamos. Hoje o povo não sabe fazer conta e por essa falta de conhecimento acaba no vermelho, nas dívidas”, observa. Seus quatro filhos e dois enteados concluíram o Ensino Superior. Não bastasse a rotina de muito trabalho, Seu Ângelo é presidente do Sindicato Rural de Coronel Vivida desde 2002 e se orgulha em defender o produtor rural. “A FAEP representa os interesses do agronegócio no país e no Estado. Fico feliz em fazer parte deste time que se preocupa em defender o homem que trabalha e vive do campo”. Na avaliação dele, o produtor rural deve cobrar e fiscalizar o governo. “Nós precisamos lutar com todas as forças. Não podemos ter medo de brigar por aquilo que acreditamos”, ressalta. E disso ele entende. Em 2003 a sua lavoura de 40 hectares de soja transgênica foi interditada pela Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná (Seab).
Na época, o plantio já havia sido legalizado pelo governo federal, mas o então governador Roberto Requião havia declarado guerra aos transgênicos. Assim como aconteceu com o agricultor de Chopinzinho, Ênio Pigosso, (BI 1133), a interdição da propriedade de Seu Ângelo alcançou a mídia nacional. “A lei federal está acima da estadual. A briga de Requião não passou de um jogo de interesse próprio para receber benefícios da indústria de herbicidas”. Mezzomo comprou a briga com Requião. No auge da repercussão sobre o plantio de transgênicos, o ex-governador assustou a população dizendo que o uso de glifosato nas lavouras estava matando os trabalhadores rurais. O boato foi contestado pelo agricultor: “O Requião não sabe o que era glifosato, muito menos o significado de transgênico. Ele está defendendo multinacionais que produziam herbicidas muito mais caros e ineficazes ao combate de pragas”, exclamou com a irritação da ascendência italiana aflorada ao participar de uma reunião com representantes do governo na época. Mesmo vivendo do e para o agronegócio, Seu Ângelo sabe que a maioria das decisões que acabam influindo em como e no que plantar estão do lado de fora da porteira. E aponta o sistema tributário vigente como um dos entraves ao crescimento do agronegócio no país. “Não há como competir com países onde a tributação sobre os produtos é muito mais baixa. O Brasil precisa baixar a carga tributária para aumentar o lucro do produtor”, argumenta.
Acrescenta que os tributos só subiram nos últimos anos. “Em 1979, com 14 bois era possível comprar uma caminhonete ‘zero’ e ainda sobrava dinheiro para o emplacamento e o seguro do automóvel. Hoje, para comprar o mesmo carro são 70 bois e ainda não pagam os demais gastos. Essa é grande diferença. Como há muitos encargos, a margem fica pequena ao agricultor”, compara. Embora não exerça mais cargo público, nunca se desligou da política. “Acompanho tudo o que está acontecendo na política nacional e estadual”, resume. Não poupa críticas ao governo federal e é contra programas de assistencialismo, como o Bolsa Família. Para ele, a solução está em investimentos na educação. Defende um sistema de ensino integral em que o aluno receba todas as refeições necessárias e somente volte para casa para dormir. “Daqui a 15 anos estes alunos serão intelectuais e ajudarão no futuro do país”, explica. Devoto de Santo Antônio, Seu Ângelo desde pequeno sempre foi muito religioso. Hoje seu passatempo preferido é jogar canastra com os 12 netos. Quando não está na luta diária na fazenda, gosta de ficar em casa ao lado da esposa Regina Mezzomo, 85 anos. Juntos têm quatro filhos, mais dois do primeiro casamento de Regina. Ela foi casada com o seu irmão, que morreu aos 22 anos em um acidente. “O trabalho era e é duro na roça, mas nossa casa sempre estava organizada”, conta Regina. A rotina dela mudou um pouco nos últimos anos. Há quatro, ela decidiu que iria aprender a mexer no computador incentivada pelos netos. A atenção que antes era só dedicada ao marido está dividida entre a navegação por sites de notícias e em conversas com os netos e filhos pelo Messenger.
No início, descreve que teve algumas dificuldades para manusear a ferramenta, mas a informática deixou de ser um bicho papão para ela. “Ou a gente acompanha as tendências ou fica de fora do mundo”, justifica. Para o marido, porém, o computador ainda é uma coisa distante e as notícias chegam pelo rádio, TV e jornais. Ele gosta mesmo é de trabalhar na fazenda. “Eu luto nove horas por dia e tudo que a pessoa faz com gosto, nada é sacrifício”, ensina, “e meu principal hobby é trabalhar”.
Texto publicado no Informativo da FAEP, publicado em julho de 2011.
